“Você é a pessoa mais importante aqui”, diz um homem com um timbre de voz grave e rouca, com as mãos sobre uma toalha vermelha com as siglas JA (Jogadores Anônimos) que se estende por toda uma mesa.
O local, na região central de São Paulo, é usado pela irmandade que tem abrangência mundial, financiamento entre os próprios membros e oferece apoio a jogadores compulsivos, com método semelhante ao grupo Alcoólicos Anônimos.
A frase dita pelo homem que ministra o encontro daquela noite, com dez pessoas, é repetida como mantra pelos veteranos aos recém-chegados e foi destinada a Patrícia*, 45, única mulher do grupo. É a primeira vez dela reunião e como um incentivo de boas-vindas, está acompanhada de seu esposo e sua mãe.
Aos prantos, com grandes pausas para soluçar, ela diz: “É algo dolorido, gastei muito dinheiro, vendi meu carro e usei o valor em jogos online. Sinto vergonha de mim e que me falta caráter, me vejo como uma pessoa ruim”.
Isso é uma doença, nunca consegui comprar nada com o que ganhava, mas a sensação de ganhar é tão grandiosa, a melhor que já tive na vida. Mas quando perdia, eu queria deixar de existir. Tem dias que não quero levantar da cama. Peço que Deus me leve.
Doença do jogo
Assim como Patrícia, outros jogadores compulsivos revelam seus sentimentos na sala. Todos eles seguiram o primeiro dos 12 passos propostos pelo grupo: assumir que se tornaram impotentes perante o jogo e suas vidas se tornaram ingovernáveis.
Eu ganhei R$ 800 mil e perdi R$ 1,2 milhão. Não é questão do dinheiro, tem hora que você joga pela adrenalina. Comecei pela aposta esportiva e depois migrei para outros jogos para ser rápido. Comecei a fazer coisas erradas para conseguir dinheiro. Manipulei 40 mil pessoas, fui desmascarado e percebi que meu problema não era só jogo, era caráter.
O vício em jogos é reconhecido como um transtorno psicológico pelos dois principais manuais de diagnósticos atualmente utilizados —o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e o CID (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde).
“Nas últimas versões desses manuais, o DSM 5 e o CID 11, esses impulsos problemáticos e clinicamente relevantes por jogos e apostas passaram a ser denominados como transtorno do jogo”, explica João Centurion Cabral, coordenador do Laboratório de Neurociência Social e professor adjunto de psicologia da FURG (Universidade Federal do Rio Grande).
Efeito no cérebro de um dependente é semelhante ao da anfetamina
Uma “cascata de sentimentos” é algo comum a ser enfrentado por grande parte dos jogadores, de acordo com levantamento feito pelo Aposta Legal Brasil, site criado em 2019 para informar sobre esses tipos de jogos no país. Segundo a pesquisa, a ansiedade ao apostar e aumentar o valor torna a atividade mais emocionante.