Sobrinho do ex-goleiro Gomes, Matheus diz que punição foi exagerada, tenta derrubá-la na Justiça, mas afirma que hoje ganha mais: “Melhor do que ficar pingando de clube em clube”
A rotina de Matheus Phillipe Coutinho Gomes mudou completamente nos últimos 12 meses. Diariamente, o despertar às 5h representa o início de uma jornada que ele não esperava ter.
Matheus é um dos cinco jogadores que foram banidos do futebol pelo envolvimento em um esquema de manipulação de resultados por meio de apostas esportivas, revelado pela operação “Penalidade Máxima”, realizada ao longo de 2023.
Eles me enquadraram nesse artigo que dá o banimento, que tira tudo. É prisão perpétua. Eles aplicaram uma pena perpétua em mim. Tiraram o meu direito de trabalhar
— Matheus Gomes.
A nova vida é como motorista de aplicativo de transporte. Segundo ele, a renda aumentou: passou dos R$ 2 mil que recebia no Olaria-RJ, em 2022, para até R$ 7 mil. São 12 horas por dia transportando pessoas pela região metropolitana de Belo Horizonte. A rotina de um trabalhador comum.
– Estou ganhando melhor. Porém, trabalhando mais. Melhor do que você ficar pingando de clube em clube por aí. Ganhando R$ 3, 4, 5 mil. Hoje eu trabalho como motorista, trabalho mais, lógico. Eu trabalho de 6h30, aí descanso e vou até 7h [da noite]. Dá para tirar na faixa de R$ 6 mil ou R$ 7 mil. Mas não é o que eu quero, não é o que eu gosto. É um meio que eu tive, uma solução em meio a tudo isso de não ficar parado, não sofrer, de não piorar.
– É uma realidade totalmente diferente. É muito mais difícil do que jogar bola, você vai ali treinar uma, duas horas por dia e depois o dia está livre. Agora você tem que acordar 5h, chegar 19h, ter uma rotina. O trabalho é pesado. É muito ruim no início porque a gente deita também com a cabeça a milhão. Você fala: “Gente, eu não errei para tanto, eu nunca errei”. Você tá me entendendo? – explicou Matheus.
A punição de Matheus foi baseada no artigo 242 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que prevê condenação a quem “der ou prometer vantagem indevida a qualquer atleta para influenciar resultado da partida ou equivalente”.
O agora ex-goleiro não pode mais atuar profissionalmente por ter apresentado o jogador Fernando Neto, atualmente sem clube, ao apostador Bruno Lopez de Moura, chefe do esquema e que chegou a ser preso pela operação.
Fernando Neto receberia R$ 500 mil, dos quais R$ 40 mil foram pagos antes de Sport x Operário-PR, pela Série B de 2022. O restante seria quitado se o jogador fosse punido com cartão vermelho na partida, o que não aconteceu. Por apresentar Neto ao apostador, Matheus ganharia R$ 100 mil.
O ex-goleiro assegura que não recebeu qualquer quantia por ter feito a ponte entre o jogador e o grupo de apostadores. Por isso, considera injusta a pena que recebeu pelo envolvimento no esquema.
– Eu fui usado desde o primeiro momento. Fui chamado na internet através de pessoas que eu não conhecia, eles me usaram ali num momento de fraqueza, onde me encontrava desempregado. Através do Instagram, eles viram que eu seguia alguns atletas, alguns atletas que me seguiam e me abordaram na intenção de ganhar com essa questão, me ofereceram uma quantia muito boa na época.
– Eles me abordaram e falaram que, se eu apresentasse um jogador, eles me davam R$ 100 mil, e eu naquela época, em outubro, tinha acabado de sair do Olaria. Nessa, eu abordei o Fernando [Neto, na época jogador do Operário-PR], ele acabou aceitando a proposta, mas não cumpriu o acordo com esse pessoal. Eu apresentei o jogador a eles e fui banido. Eles me usaram para chegar até o Fernando. No caso, eu não fiz nada, nada. Não ganhei um real com isso – disse Matheus.
Matheus Gomes admite o erro e entende que deveria ter sido punido, mas não com o banimento da prática profissional do futebol. O ex-goleiro, atualmente com 28 anos, recorre na Justiça Comum – o processo está em curso – pelo direito de trabalhar, pautado por uma garantia prevista na Constituição. Segundo ele, o futebol é a única coisa que sabe fazer na vida.
– Existem duas realidades do futebol, e a maioria das pessoas conhece só o lado da minoria, que é o lado do jogador ser rico, do jogador ser milionário, todos os jogadores ganham bem. Vamos colocar que 70% do futebol brasileiro recebe salário mínimo, R$ 1.500, R$ 3.000, às vezes vai com o clube que não paga, faz um contrato de três meses, não paga. E a outra realidade, o futebol que o povo está acostumado a ver, é Brasileiro Série A, Série B, jogador que ganha muito. Mas a realidade não é essa.
– Você vai ao interior do Brasil, tem pessoas que pagam para jogar, A realidade é totalmente outra. E nessa época, se não me engano, eu ganhava R$ 2 mil no Olaria. Aí você pensa, eu acabei de sair do campeonato, ganhava R$ 2 mil e recebo uma proposta de R$ 100 mil. E você pensa assim: “Pô, vou dar uma ajeitada na minha vida”. Foi uma vergonha para mim tudo isso. Meu pai é policial, minha mãe é professora. Você imagina a educação que eu tive, ter me envolvido nisso?.
Matheus Gomes é sobrinho do ex-goleiro Gomes, que disputou a Copa de 2010 e foi bicampeão da Copa das Confederações pela seleção brasileira. Ele revela que conversou com o tio sobre a repercussão negativa após a divulgação do seu envolvimento no esquema de apostas.
– Cheguei para explicar toda a situação que, querendo ou não, mancha um pouco a questão familiar, porque o nome dele está envolvido. Ele é meu tio, irmão do meu pai, o cara que sempre foi exemplo no futebol. Aí tem um sobrinho que sai na manchete em coisas negativas. Para ele foi uma surpresa, mas expliquei toda a situação. Ele falou para ter calma e tudo mais, para se apegar a Deus, porque ele é um homem religioso. Ele me aconselhou a ter paciência. No momento certo tudo vai acontecer, tudo vai se resolver.